"As impossibilidades humanas são as oportunidades de DEUS". (Alejandro bullón)


Pérolas da Vida

Data: 16-07-2012

De: Walkyria

Assunto: Lição de vida

Acreditar em Deus não é fácil. Cadê Deus? Onde Ele está, que não conseguimos vê-lo? Pensar que Deus é justo, então...complicado...como se explica a fome no mundo? Como se explica a morte de pessoas tão boas, enquanto o mundo está repleto de gente cruel e desumana? Deus é sentido...não visto. Pessoalmente, não. No entanto, posso dizer que vi Deus por diversas vezes na minha vida.

Deus estava presente na caridade e assim eu pude vê-lo...Ele estava presente no nascimento de todos nós, e certamente está recebendo aqueles que se vão, porque Deus é muito, e nós somos a eterna busca do amor dEle. Não nos é dado esse poder de ver pessoalmente a presença de Deus, mas podemos senti-lo, encontrá-lo nos tantos fatos da vida e isso é uma bênção.

Como Deus permitira um sofrimento tão grande à minha amiga Bianka...que sempre foi uma pessoa boa, sempre foi tão dedicada aos que amava..? As provações do mundo servem para afastarmos ou então nos aproximar de Deus e as provações pelos quais passou Bianka, no meu entender, a aproximaram ainda mais dAquele que ela amou até o último minuto de vida. Ela jamais questionou.

Quando éramos crianças, eu era aquela menina nordestina no meio do Centro-oeste. Cá entre nós, todos sabemos que uma pessoa diferente em um meio de iguais, principalmente crianças, se torna a atração de todo mundo. Não tinha muitos amigos no início, mas arranjei alguns muito bons na Escola Adventista, nos dez anos em que permaneci no Mato Grosso, que até hoje mantêm contato comigo. De todas as escolas que eu poderia frequentar, fui colocada justamente em uma escola religiosa. No início, foi quase impossível. Eu me sentia uma traidora do Deus que eu aprendi a amar na Igreja Católica...tinha pesadelos, até. O conflito de religião para uma criança da quarta série é um problema enorme...às vezes eu me escondia atrás do piano da escola para não ir ao culto das quartas-feiras...fui flagrada pelos funcionários em várias oportunidades... Acredito que isso deva ter durado apenas uns 2 meses...Deus, para mim, era (e sempre será) tão importante, que eu não imaginava traí-lo com um outro Deus de outra religião...e era assim que funcionava a minha cabeça de criança, na nova escola.

Aí conheci Bianka. Nossa...nunca tinha visto uma menina tão magrinha na vida! Parecia tão frágil...mas me deu muitas lições de vida e se tornou a minha melhor amiga. Não por coincidência, mas providência divina, sua família foi morar no mesmo edifício em que eu residia. Eu me lembro, quase com perfeição, do primeiro dia em que nós nos tornamos vizinhas.

Minhas dúvidas com relação à religião, Deus, e os conflitos foram passando, à medida em que frequentava a casa da Bi e ouvia as pessoas na escola.

O cheiro da casa de Bianka ainda está na minha memória...o piano, a estante com as enciclopédias Barsa e Mirador (que eu gostava muito!)...a travessa de bolo de cenoura com cobertura de chocolate que elas faziam, o peixe que era cardápio certo todas as semanas e a tal salada portuguesa (se não me engano), que até hoje não comi igual!

Sua família, adventista, sempre se reunia às sextas-feiras, ao pôr do sol, que perdurava até o dia seguinte, dedicando-se à adoração a Deus, seja em casa, seja na igreja. Achava chato procurar minha amiga pra brincar comigo e ouvir do pessoal de casa que ela não podia descer pra brincar naquele momento, porque era pôr do sol e todo mundo se reunia pra orar. Pouquíssimo tempo depois, comecei a frequentar a sua casa e verificar, de perto, o que tanto Bianka fazia em casa sem poder ver televisão ou brincar com os amiguinhos.

Eu, que pensei, na minha imaginação de criança, que ela era proibida de brincar à noite, nas sextas-feiras e no sábado inteiro, vi que ela foi criada assim...dedicando seu tempo a Deus, orando em família, de espontânea vontade e feliz, com todos eles reunidos, louvando, cantando, lendo a Bíblia. Na minha família, éramos religiosos, católicos, sempre fui criada respeitando e amando a Deus e ao próximo, mas não tinha visto liturgias ou momentos de oração em casa de uma maneira frequente. Eles me mostraram imagens com músicas, com aquela paisagem linda, do que representava a morada de Deus...e aquelas imagens ficaram gravadas na minha memória, com anjos tocando trombetas, Jesus Cristo iluminado...e a família dela reunida naquela sala...por inúmeras vezes fui novamente. E de novo. E de novo.

E então me levaram à igreja aos sábados...confesso, foi difícil comparecer. Ainda tinha ligação com a minha igreja católica, mas Bianka me levava tão feliz e tão empolgada...não conseguia dizer não, e por muitas vezes fui. Ela lia a Bíblia para mim, colava aqueles projetos de leitura da Bíblia nas folhas e me orientava para encontrar tudo o que precisava nela.

Eu achava aquela família inteira muito legal..! Fábio era aquele menino que, como todo adolescente, ex-caçula da família, às vezes implicava com a irmãzinha, que foi criada como uma princesa... Eu via que até nas implicâncias de menino, Fábio tinha um grande amor pela irmã... e Bianka tinha um amor tão grande, um afeto imenso com relação a Fábio, e ele se tornou uma referência para ela...lembro que, volta e meia, fugíamos as duas nas aulas, para ver Fábio tocando violão no intervalo da escola. Daquele tempo até as últimas vezes em que pude falar com Bianka, ela somente tinha amor e agradecimento no coração...

Fernando, aquele irmão do meio, com quem eu e Bianka brincávamos, foi para Bianka um companheiro de jornada. Ele fez questão de ter 9 anos, 12 anos, 15 anos, 17 anos...a mesma idade que a irmã tinha, fazendo companhia, brincando conosco no chão do quarto dela, mesmo sendo mais velho...a gente ria muito dos neologismos de Fernando, naquela brincadeira de Stop...ela falava muito de Fernando, e a sensação que todos tínhamos, era a de que Nando era mais um dos vários amiguinhos que ela tinha no prédio, com quem ela gostava de brincar e aprender a jogar. Foi um companheiro para ela.

Frederico, acho, hoje é arquiteto ou engenheiro...ele tinha umas réguas, uma mesa técnica...era o irmão mais velho dentre os demais. Um irmão que estuda em faculdade?? Bianka o admirava muito, dizendo para mim que “Kiko”, como ela chamava, sempre tinha razão em tudo o que fazia, porque ele era um cara centrado, introspectivo... Lembro de vários momentos de carinho, onde Kiko deitava no chão da sala conosco, no colo de Bianka...e ela tinha 12, 13 anos de idade...e ficava horas conversando com ela, até ele mesmo adormecer. Eu achava lindo...um irmão mais velho, que dava aquela atenção para a irmãzinha.

Por onde passava, Bianka falava com orgulho dos irmãos. “Eles têm as mesmas iniciais”, ela me lembrava sempre. Sempre que eu ouvia, eu entendia assim: “eles são meus manos e todos somos unidos”.

Dona Míriam...era a ligação mais forte de Bianka com a Terra. Impressionante, mas eu as via muito, mas muito parecidas! Saíam juntas, liam a mesma literatura, ouviam a mesma música, falavam o mesmo idioma...eu as via como companheiras, de fato. Como eu sempre fui muito companheira da minha mãe, e sei que ela sempre lutou para o bem das filhas, vi na relação das duas uma identidade com a minha vida em casa. Bianka sempre falou da mãe como uma pessoa forte, determinada, uma mulher com fibra de guerreira. Por várias vezes a Dona Míriam mesmo me chamava para ficar lá nas sextas-feiras. Ela chamava a atenção quando necessário, aconselhava sempre e a todo momento, mas confiava na criação da filha. Quando crescemos, nos tornamos adolescentes, já nos 16 anos, por aí, saíamos juntas sem as nossas mães. A minha mãe nunca me perguntou se eu bebia, ou fazia qualquer coisa que apontasse desvio de conduta, porque ela confiava muito em mim e na Bianka também. Mamãe sempre gostou muito da nossa amizade e sentiu muito quando soube de todo o histórico que acompanhou Bianka na vida.

Bi era uma criança muito feliz. Teve tudo o que uma criança poderia desejar...uma família bonita, unida, uma religião que proporcionou uma evolução espiritual, colegas e amigos vários, estrutura familiar em sua casa e, principalmente, tinha Deus com ela, o que era percebido pelo seu olhar. Quantas crianças passam pela infância e não têm conhecimento ou não se importam com quem seja Deus?

A minha infância sem Bianka...não imagino. Ela foi importante do começo ao fim e exerceu um papel fundamental na minha vida. Penso muito nela, quase que constantemente. Aquelas sensações e a memória do meu passado voltam com uma força enorme e sonho com ela em algumas noites.

Amar a Deus quando tudo está bem, é fácil...quando se tem carro, casa, dinheiro, trabalho, família e saúde...o homem dá um “graças a Deus” quase que automático, quando nem sempre esse agradecimento é mesmo o reconhecimento da ação de Deus em sua vida. Amar a Deus sob diagnóstico de câncer, com vistas a um tratamento invasivo e cruel, ter sua saúde afetada por tantos anos, sua vida abalada, e seus sonhos de casamento, filhos, bens, família, carreira ou viagens todos tidos por contados em prazo a se escoar diariamente, e ainda assim dar graças a Deus por tudo o que se tem na vida, isso é para raros humanos.

Dos sonhos de uma vida...ela conquistou a maioria que muitos nem pensam em ter, embora o tempo não lhe permitisse sonhar e projetar mais. Foi uma filha muito boa, uma irmã amorosa, uma amiga fiel. Foi uma estudante questionadora e marcante, líder por natureza; passou na OAB, se tornou advogada...casou e conseguiu ter a experiência do amor, do matrimônio, do companheirismo. Teve uma família participativa, pessoas que a amaram muito e que ainda hoje sofrem sua perda.

Nós brincávamos, pensando nos nomes dos nossos filhos, quando casaríamos, como seria a vida quando crescêssemos. Nossas respostas daquele tempo não são as respostas de agora. Se um dia eu tiver uma filha, seu nome será Bianka...e quando minha filha me perguntar o motivo pelo qual escolhi seu nome, eu direi simplesmente: “minha filha... um dia existiu uma pessoa com esse nome e que era muito especial e o nome “Bianka”, para a sua mãe, hoje significa “força e Fé em Deus, em todos os momentos”.

Walkyria Carvalho


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